Traduzir um clássico

por Mário Hélio

Traduzir um clássico é um ato de coragem, no que se incluem ousadia e risco. E se o livro é um épico onde o erudito e o popular estão ligados como unha e carne essa tradução pode ser considerada ainda mais atrevida. Assim fez o escritor paranaense Ciro França com o Martín Fierro, do argentino José Hernández.

Cada tradução reflete tanto o texto original quanto o que há de autoral nas soluções que propõe com quem ele trabalha numa outra cultura e noutra língua. E se essas língua e cultura estão próximas – literalmente na fronteira – que é o caso do espanhol e do português, da Argentina e Rio Grande do Sul (e do Paraná), ainda mais difícil e verdadeiramente ‘épica’ é a façanha.

Os versos do Martín Fierro têm a métrica, o ritmo e o modo de rimar da poesia tradicional. Seus ‘parentes’ próximos são, portanto, o repente e o cordel, além das várias formas que assumiram canções e baladas na Europa medieval. Ciro França reuniu o conhecimento erudito dessas literaturas e o conhecimento das mais variadas versões do poema para fazer algo muito próprio e novo.

Assim, o leitor que tiver o privilégio de ler a sua tradução do Martín Fierro ­– com belíssimo projeto gráfico e riquíssimas ilustrações – encontrará aí duas vozes afinadas: a de Hernández e a de Ciro, a da Argentina e do Sul do Brasil, no que têm de mais forte e inspirador.